Há dias assisti a um programa na televisão, dedicado aos problemas da eficiência energética, no qual se incluíam comentários e soluções para obras de reabilitação.
Independentemente das minhas opiniões, concordâncias e discordâncias em relação ao programa, chamou-me a atenção um exemplo apresentado de reabilitação energética numa habitação unifamiliar algures no norte do País.
Depois de vários considerandos, a apresentadora comentou mesmo como nas habitações em meio rural, os animais colocados nas "lojas" do piso térreo contribuíam para o aquecimento dos andares superiores através dos pisos de madeira.
Depois, descrevendo a intervenção, afirmou tranquilamente que, desde logo, foi decidida e concretizada a remoção dos pavimentos de madeira e construção de lajes de betão, por forma a ganhar massa e inércia térmica.
Não pude deixar de pensar no simplismo com que se tomam algumas decisões, neste caso como se desvalorizou o significado e a relevância dos pisos de madeira, material "quente", para recorrer ao betão, novo e "frio"; e aquilo a que se chama o espírito do lugar, sempre fortemente marcado por formas e por materiais, de que modo é afectado ou destruído por tal decisão?
Será que a reabilitação energética é tão determinante que não põe travões à eliminação de valores patrimoniais?
Será que o ganho energético assegurado pelas lajes de betão é tão relevante que nada mais importa?
Creio que não! As muitas dezenas, talvez centenas, de intervenções em que tenho estado envolvido, ensinaram-me que o fundamentalismo energético não é o caminho, não é certamente o único caminho; a reabilitação é a arte de conciliar interesses distintos e às vezes contraditórios mas, no centro, deve estar a valorização patrimonial do edificado.
Manter e recuperar as estruturas e elementos de madeira fazem parte dos princípios a que a reabilitação se deve submeter, designadamente quando não existem imperativos para a substituição das estruturas originais; ou seja, a reabilitação energética não pode ser um fim único em si mesma, antes tem que fazer parte de um processo mais complexo e exigente.
Já pensaram no que aconteceria ao património arquitectónico (em que a madeira tem expressão relevante) se a reabilitação energética comandasse as operações?
João Appleton, é engenheiro civil (IST), especialista e investigador coordenador pelo LNEC, conselheiro do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (aposentado) e sócio da A2P- Estudos e Projectos.