Comentário João Nunes: "Sob o véu da aparência"

13.10.2015

Tentar entender a Paisagem, e propor transformá-la, ensinou-me uma coisa. Pelo menos uma: 

 

Que as imagens com que o Mundo nos encanta, a Imagem do Mundo, é apenas a manifestação momentânea de um funcionamento, de um mecanismo complexo que envolve todos os actores presentes no momento, e os sinais de todos os outros que construíram, noutros momentos, essa paisagem. 

 

É o entendimento deste funcionamento, o conhecimento deste mecanismo, que nos permite entender a imagem para além do véu da aparência, e, com esse entendimento, conseguir propor, de forma consciente e segura, o que desse funcionamento se consegue operar para melhor vivermos com os outros, com todos os outros que escrevem e escreveram o Mundo, sem deixar de acreditar que essa operação no desenho do Mundo continua a ser capaz de construir maravilhas, sem produzir danos...

O que maravilhará os homens do futuro.

 

E tentar entender a Paisagem, e desenhar dentro dela as marcas dos homens como contribuição para o desenho do Mundo, ensinou-me ainda outra:

 

Que se as marcas que fazemos estão inevitavelmente ligadas, no tempo e no espaço, a todas as outras marcas que recobrem o Mundo, e ao que resta das que o recobriram, num edifício milenar e coeso onde homens, animais, plantas e processos não bióticos

se juntam no maravilhoso processo de mudar constantemente a face do Mundo, continuamente redesenhada, então cada marca que fazemos, cada sinal que resulta de uma manifestação de vida - vulcão que explode, rio que tudo inunda, amor dos homens, trabalho, caminho, morte e sofrimento - é apenas um começo de uma outra coisa ainda. 

 

No espaço do mundo que é o nosso, o do nosso tempo, e no tempo escasso que temos, que enchemos das marcas dos nossos passos, dos nossos gestos, das nossas vontades e convicções, das nossas paixões e dos nossos falhanços, de tudo, enfim, o que somos e seremos, desaparecemos enfim, pequenas peças de articulação de sistemas maiores, esses sim, importantes e visíveis, pequenas juntas com a missão de preencher vazios, de reparar rupturas, de dar as mãos quando a cadeia se quebra, de construir mais do que somos, contrapondo à profunda humildade de conhecermos a nossa dimensão, a infinita responsabilidade de entendermos as consequências do que podemos fazer.

 

 

João Nunes é arquitecto paisagista, professor universitário no Instituto Superior de Agronomia e fundador e director da PROAP

TAGS: comentário , João Nunes , aparência
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