Comentário João Nunes: "Tuc-tucs, espaço público, dinheiro ou a salvação de Portugal"

02.10.2015

As cidades, uma vez encontradas pelo grande holofote dos mercados turísticos, e desenhado assim o seu parêntesis de fama no Mundo, é bom que não se maquilhem demais e que não se transformem, para agradar, naquilo que acham que agradará ainda mais, afastando-se sem regresso possível da condição que, afinal, esteve na origem do seu sucesso.

Lisboa, ao risco de entusiasmadamente se vender, exibindo a genuinidade do que tem de mais íntimo  mesmo quando o pudor e o bom senso levaria a reservá-lo a uma dimensão pessoal e emotiva discretamente escondida "entre as brumas da memória", acrescenta outros riscos, relativos ao papel que cada um desempenha no grande circo turístico da actualidade lisboeta e às relações por vezes difíceis entre trapezistas e palhaços.

 

Lisboa vive, hoje, excitadamente debruçada sobre uma ideia de dinheiro fácil, que efectivamente resulta mais de um somatório de felizes coincidências que lançam no Mundo um mérito que sempre teve  (feito de Luz, de bom tempo, de efectiva genuinidade, de boa comida, de bons preços, de segurança, de espaço público excelente e da extraordinária qualidade de vida cujo valor só quem de Lisboa se ausenta se dá verdadeiramente conta), do que de um verdadeiro projecto estratégico, de um trabalho planeado de construção, embora, justiça se faça, algumas das alterações na política de funcionamento do Porto de Lisboa, de dimensão estratégica, tenham desenhado possibilidades que anteriormente se encontravam estranhamente bloqueadas e contribuam para desenhar um momento feliz.

 

A esse momento feliz junta-se, porém, uma ideia perversa de mérito e merecimento, capaz de azedar qualquer festa, em que os beneficiários principais se assumem como actores protagonistas do processo e passam, arrogantemente, a reclamar o óbulo a todos os outros que, desempenhando papéis tomados por eles como menores na grande festa, são assim considerados permanentes devedores da sua quota parte de sucesso e eventual prosperidade.


Situação que se resume bem na anedota que vivi, em que um condutor de tuc-tuc, depois de riscar o meu carro e preparando-se para não parar, me grita, virando-se para trás - Aguenta-te! Estamos a salvar Portugal!!

 

João Nunes é arquitecto paisagista, professor universitário no Instituto Superior de Agronomia e fundador e director da PROAP

TAGS: comentário , João Nunes , Tuc-tucs , espaço público , dinheiro ou a salvação de Portugal
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