O fenómeno da gentrificação é academicamente reconhecido há umas poucas décadas, associado à realização de operações de regeneração urbana que, pela qualificação introduzida, ao valorizarem o espaço urbano e o padrão habitacional, são responsáveis pelo afastamento dos moradores e pela sua substituição por um novo grupo, economicamente mais favorecido, assim empurrando os “nativos locais” para outras zonas menos favorecidas.
O fenómeno é relevante porque alerta para o facto de as “boas intenções” da regeneração urbana poderem acabar por alterar o perfil populacional e económico de determinado bairro, acabando por afastar as comunidades residentes; sendo contraposto pelas visões, mais liberais, que afirmam que tal fenómeno é inevitável, pois é exatamente a criação de valor que atrai a nova população e o mercado não pode deixar de funcionar, a que acrescentam que o perfil dos bairros não é estático no tempo, nem o foi antes.
A verdade, porém, é que este fenómeno vai encontrando uma nova dimensão associada ao turismo urbano, atempadamente reconhecida em “produtos turísticos” como Veneza ou Roma, depois alargada a cidades globais como Barcelona ou Paris, que entretanto chegou também às cidades portuguesas, sendo bem visível a sua ocorrência em Lisboa, em zonas como Alfama, Bairro Alto ou o Chiado.
A gentrificação turística marca a invasão dos espaços públicos mais emblemáticos por massas de turistas, acompanhadas por todas as atividades ambulantes devidas; associada à renovação do padrão comercial local, globalizado e orientado para o turismo de massas, claro; a uma nova valorização do imobiliário local, igualmente ligado a esta nova vocação; ao aumento dos preços de tudo; ao ruído e confusão, diurno e/ou noturno; assim afastando os “nativos locais”, os genuínos cidadãos dessas cidades, e transformando a cidade “histórica”, “emblemática” e “genuína” em parques temáticos, uma variante de Disneylândia que ocorre pela adaptação a esse fim de locais “originais” das cidades.
Só que, desta vez, nem o processo de regeneração é público (senão na qualificação do espaço público, o que não é suficiente para a atribuição de culpa), nem o contra-argumento é liberal, pois é difícil recusar as novas receitas que a atividade acrescenta, em tempos de crise, como alternativa à desqualificação, física e económica, que essas zonas viveram nas décadas anteriores.
A gentrificação turística está aí.
João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.