Editorial de João Pedro Costa: O circo do europeu de futebol

04.07.2016

Mesmo para um fervoroso adepto do desporto, como este editorialista, não deixam de continuar a surpreender os efeitos na cidade de um evento como um campeonato europeu de futebol, disputado a mais de 1.500 quilómetros de distância.

 

Desde logo, altera as horas de ponta. A última hora antes de um jogo da nossa seleção é engarrafamento certo, pois toda a cidade, qualquer que seja, está a caminho de algum lugar especial para se ligar a um aparelho de televisão.

 

As duas horas de jogo são um paraíso para quem não liga ao futebol. Cidade sem carros, cidade sem poluição, sem filas, tirando uns gitos coletivos de tempos a tempos; ainda que a escolha de um restaurante, por exemplo, tenha de ser criteriosa, sob pena dos convivas se verem submergidos numa massa de adeptos comensais agarrados ao ecrã, com o devido ruído proporcional.

 

Isto, claro, com exceção para aqueles recintos abertos em redor de um ecrã gigante, onde se reúnem milhares de concidadãos para ver o jogo. Uma nova dimensão do espaço público multifuncional, dirão alguns.

 

Quem está na envolvente destes novos circos até aceitaria o fenómeno com uma esforçada compreensão, se percebesse que os vizinhos comerciantes teriam, nessas 3 ou 4 horas, um excelente momento de negócio. Porém, eis senão quando, o mega ecrã vem acompanhado de uma panóplia de vendedores ambulantes, da febra, da entremeada, ou da cerveja em copo de plástico que acaba no chão e afins, de preços mais baratos e comodamente instalados por poucas horas diante de quem tem estabelecimentos estáveis todo o ano. Findo o evento, abandonam olimpicamente o lixo e seguem para outro lugar, deixando quem lá passa o ano para viver com os restos que esvoaçam com o vento.

 

Os tempos da transmissão são um mistério. Quem diria que, na era da tecnologia, a rádio ainda funciona, pois está poucos segundos adiantada no direto em relação à televisão, pelo que antes de ver um golo no ecrã já uns loucos começaram a gritar.

 

Findo o jogo, claro, nova hora de ponta, agora convergente para os eixos e praças onde a multidão se reúne para celebrar. De novo, o circo dos vendedores ambulantes entra em cena, com igual resultado final.

 

Iniciado uns meses antes e com prolongamento nos seguintes, tem lugar o circo da publicidade outdoor, em nome da seleção e de Portugal. Esse, tem um tempo mais lato, esticando a memória.

 

Olhando, porém, para as notícias de violência, para o excessivo turismo de massas, para a segurança do terrorismo, ou para os muitos estádios que desde 2004 por cá temos vazios, do mal, o menos. O campeonato é em França.

 

Claro que, na 4.ª feira, o editorialista estará algures na cidade para ver o jogo das meias-finais.

 

João Pedro Costa é o diretor do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa , europeu de futebol
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