Editorial de João Pedro Costa: O rebranding do espaço público e os cidadãos

14.03.2016

Apesar do contexto de crise, o país vai conhecendo, nos anos mais recentes, um impulso de obras de reabilitação urbana, promovidas pelos municípios, com uma particular incidência sobre o espaço público.

 

Reordenamento viário e repavimentações, ordenamento de estacionamento, qualificação do espaço público, reconversão de espaços verdes (aqui incluindo o abate de árvores…), iniciativas de redinamização comercial, entre outras, ou intervenções que combinam várias destas dimensões.

 

Na perspetiva económica, o fim das grandes obras públicas levou a uma orientação do investimento público “em betão” para este segmento, de menor peso financeiro e situado fora do escrutínio orçamental à escala nacional. Mas mudou também o paradigma, com uma maior atenção para os bairros, ou para as áreas de valor acrescentado do turismo urbano, tudo reunido naquilo que, simplificando, podemos designar como o “espaço público”.

 

Inclui, por vezes, um upgrade infraestrutural; noutras, é apenas um rebranding espacial. Mas vem acompanhado, quase sempre, de uma alteração de valor no tecido urbano intervencionado.

 

Qualificando bairros, promovendo a renovação do tecido económico, com tudo o que podem ter de bom e de mau, como a atenção dada às pessoas e à sua vida pública ou a gentrificação e substituição do comércio do torresmo por todos os tipos de McDonald’s. Não cabendo aqui juízos de valor, está a acontecer por todo o país, é um facto.

 

Porém, o juízo já é necessário para discutir o enquadramento institucional desta realidade, incidindo, em particular, sobre como chega aos cidadãos.

 

Tem lugar fora dos instrumentos de gestão territorial, para os quais é micro, sendo preparado nos gabinetes autárquicos, cujos técnicos têm agora outra disponibilidade, face à hecatombe, que veio com a crise, do trabalho administrativo ligado ao imobiliário.

 

Nalguns casos, são acompanhados pela divulgação do projeto, junto dos moradores e/ou comerciantes, com a respetiva discussão prévia em sessões locais efetivamente divulgadas. Noutros, o ruído mediático causado pelos moradores, em fases iniciais das obras, leva os autarcas a reuniões tardias, para ensinar às massas como é adequada a obra em curso, que pode acomodar os necessários ajustes sugeridos pelos moradores, o que o empreiteiro também gosta, pois são trabalhos a mais. Noutros ainda, as máquinas entram pelos bairros dentro, sem mais.

 

É também aqui que vão ganhando espaço as autoproclamadas “comissões de moradores” ou associações locais de comerciantes”; figura por vezes genuína, mas, noutras, manipulada por interesses mais pequenos; figura por vezes realmente representativa de quem se diz representar, noutras, fechada e sem chegar às suas “bases legítimas”.

 

Ao fim do dia, a cidade vai andando e todos procuramos aprender com o que se faz, para elevar a Democracia.

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa
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