Editorial de João Pedro Costa: Saber viver com o mau tempo (II)

26.02.2016

Fevereiro está mesmo a ser o mês do inverno de 2016. Se a segunda semana foi momento de mau tempo, a quarta não fica atrás, escolhendo, de novo, o fim-de-semana, para que todos se lembrem.

 

Mais uma vez as inundações, os ventos fortes, a neve e a agitação marítima alternam com o sol de inverno, num retrato da instabilidade que é a sociedade e a economia de hoje.

 

Aqui, no país socioeconómico e político, as alterações climáticas estão em estado muito mais avançado. Continuam a alternar dias de sol de inverno com dias de temporal, mas já não sabemos quando é inverno e quando é verão. Tampouco é coisa apenas do mês de Fevereiro.

 

Neste país, os alertas são contraditórios. Alguns institutos portugueses do mar e da atmosfera, nacionais, europeus ou norte-americanos, vão emitindo atempadamente alertas amarelos, laranjas e vermelhos; mas, ao mesmo tempo, outros agentes, políticos e económicos, vêm a terreiro dizer que afinal não está mau tempo e que vivemos uma nova primavera.

 

Dizem-nos que chove, mas que é a última chuva de uma nuvem esgotada, prestes a desaparecer para dar lugar a um sol maravilhoso, a um verão antecipado. Ou que é apenas água que cai do céu, já não é chuva, tecnicamente falando. E que, portanto, estamos na primavera.

 

É muito mais difícil saber viver com este mau tempo.

 

Eventualmente, já não se pode chamar de “mau tempo”, mas apenas de tempo diferente, porque o problema é o que lhe chamamos e não aquilo que efetivamente é. Na verdade, o tempo é aquilo que nós quisermos ver, ou aquilo que lhe quisermos chamar. E é mesmo verdade. Entre os pingos da chuva forte, por detrás das nuvens negras, está mesmo o sol, que brilha para outros.

 

É assim que, no país socioeconómico e político, não sabemos se está mau tempo ou não. Ou, os que têm a lucidez de

saber, não conseguem fazer passar a sua palavra, porque outros, igualmente meteorologistas credenciados, dizem exatamente o oposto.

 

Dizia, portanto, no editorial anterior, exatamente com o mesmo título, que em Portugal “o território está a reaprender serenamente a viver com o mau tempo”, e “a grande maioria dos impactos destruidores acontece em situações diagnosticadas, que ainda não puderam ser corrigidas, ou adaptadas”. Certo parecer ser que, no território, as “alterações climáticas” são francamente mais lentas, e ainda conseguimos ter alguma lucidez sobre a realidade.

 

Já no país socioeconómico e político, devem ter sido mais rápidas do que a nossa capacidade de as percecionar. Há uma parte que nos quer abraçar com a ilusão otimista de que a primavera chegou, enquanto outra parte nos quer deprimir com o discurso negativista de um inverno profundo. Certo é, apenas, que não há consenso para além do dia de hoje, em que temos chuva forte; ou, no novo discurso da primavera, que apenas água que cai do céu. 

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa , Arquitecturas
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