Editorial de João Pedro Costa: "Sectorialização ou territorialização do investimento público?"

16.05.2016

A propósito de um trabalho de investigação catalão que me passa pelas mãos, fica a remoer a pergunta de como se relaciona a administração portuguesa com os bairros. Se é que precisa de com eles lidar, claro…

 

Coletivamente, que noção temos hoje do bairro, da vida de bairro, da comunidade do bairro?

 

(cada caso é um caso, claro…)

 

É um tema do passado ou de futuro?

 

Para além de casos de exceção, são os bairros transversais nas políticas públicas ou meramente limites de projetos sectoriais descoordenados entre si, desenvolvidos por diferentes “capelas” da administração, central e local?

 

Diz-nos a experiência que, em Portugal, a gestão “corrente” de proximidade do bairro é matéria da respetiva junta de freguesia; enquanto os investimentos públicos são competência das diferentes vereações das câmaras municipais ou dos respetivos sectores da administração central. Vigora, portanto, uma lógica de “sectorialização do investimento” público, com parte de gestão corrente coordenada com as juntas de freguesia.

 

Na Catalunha, este é um tema central. A chamada Lei de Bairros (Lei n.º 2/2004, de 4 de junho, regulada pelo Decreto n.º 369/2004, de 7 de setembro) foi um marco legislativo relevante para a transformação de tecidos urbanos, enquadrando e apoiando financeiramente a qualificação dos bairros e conjuntos urbanos que precisam de atenção especial. Foi mesmo um dos motores de aplicação de duas gerações de fundos comunitários.

 

Esta lei consiste num programa de regeneração urbana orientado para a qualificação de tecidos frágeis, onde convergem problemas de natureza diversa, que podem abranger o estado dos edifícios, os serviços de urbanização e as de redes de infraestrutura, a carência de espaços públicos e zonas verdes, a dotação de equipamentos de utilização coletiva, a concentração de grupos de cidadãos com necessidades especiais, a acessibilidade rodoviária e os transportes públicos, o desenvolvimento económico, a atividade comercial e a segurança pública.

 

O objetivo da Lei é a concretização local do que designa como “projetos integrais”, isto é, transversais a todos os sectores e coordenados entre si numa intervenção única, entendendo a regeneração urbana no seu todo.

 

Claro que, como bem suporta o trabalho de investigação, esta aproximação de “territorialização do investimento” público, sendo academicamente exemplar, encontra problema maior na massa crítica necessária à conceção, promoção e gestão dos programas, que, para mais, são diversos e obrigam a agregar competências técnicas muito diferentes.

 

A capacidade de montagem das equipas de gestão e de gerir o financiamento foram as questões centrais na aplicação da Lei de Bairros, matéria na qual os municípios mais pequenos tiveram enorme dificuldade. Colocou-se, de novo, a questão da massa crítica na administração autárquica, em particular quando saímos dos municípios de maior escala.

 

Claro que este não é assunto tratar, ou sequer para enquadrar com rigor nestas breves linhas. Mas não resisto a partilhar alguns pensamentos por onde vou passando…

 

João Pedro Costa é o director do Jornal Arquitecturas.

TAGS: Editorial , João Pedro Costa , investimento público
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