«O comércio no centro»

Opinião de João Barreta

11.12.2013

Amplamente diagnosticada a situação do setor do comércio, no seu conjunto, entendida a sua natureza transversal, as evoluções, as abordagens segundo os vários intervenientes e “prospetivadas”, de alguma forma, as tendências futuras, afigurar-se-á razoável poder sistematizar os dez princípios que poderão viabilizar o comércio de proximidade como “formato” comercial, mas também, e essencialmente, como ferramenta fulcral num processo integrado de regeneração da baixa comercial das cidades.

 

“Grandes ruas necessitam de grandes campeões”

O importante não é saber a origem do promotor (“campeão”) da ideia/projeto de regeneração. Público ou privado, associativo ou individual, interessa que lhe sejam reconhecidas, por parte dos atores locais, as capacidades para “dar a volta ao problema”. Da simples ideia ao ideal há um percurso que exige forte liderança e aceitação por parte dos restantes atores, pelo que gerar consensos (e gerir conflitos!) será uma qualidade de “campeão”. Deter as capacidades para um processo que se quer “em crescendo”, participativo, co-participado, monitorizado, sustentável, eficaz e eficiente, enfim que traga resultados para as partes envolvidas, exigirá características de verdadeiro “campeão”.


“(De)Ter uma visão (para o centro da cidade e para o comércio)”

O comércio de proximidade, para além de … comércio, é economia, é política, é cultura, é património, é coesão social, é turismo, é urbanidade, é urbanismo, é escola, é sociedade, é animação, é … vida. A sua relação e potencial contributo para a regeneração de uma rua ou do centro de cidade, exige uma visão para o tema, integrada, integradora, clara, objetiva, pragmática, realista, mas também, criativa, ambiciosa, desafiadora, mobilizadora, competitiva, inovadora e, verdadeiramente, empreendedora. Importa deter uma visão para o centro de cidade e para o seu comércio (o existente e o que lhe faz falta!) conferindo-lhe, ao conjunto, uma identidade própria, distinta e distintiva.


“Pensar a vertente residencial / habitação”

O maior ou menor sucesso do comércio de proximidade depende do sucesso, também ele, maior ou menor, da dimensão e qualidade da função residencial no centro (e sua envolvente imediata) da cidade.

Sendo discutível, e raramente conducente a consensos, as opiniões divergem no que se refere à origem do problema, se foi a deterioração da componente habitação nos centros históricos que gerou o encerramento e perda de qualidade do comércio ou se o seu inverso. O comércio chama residentes e estes chamam comércio, sendo que a quantidade e a qualidade de um, condicionam iguais características do outro.

Pensar o centro, sem pensar a sua habitabilidade, prova que o problema ainda não se encontra, sequer, compreendido.


“Honrar o peão”

O conflito entre o peão e o automóvel no centro da cidade é sobejamente abordado. O facto de o peão, residente, visitante ocasional, turista, todos potenciais clientes do comércio, mas também da cidade no seu todo, poder decidir-se por voltar, por opinar e aconselhar outras pessoas para visita futura, deverá ser merecedor de atenção, trabalho e honras especiais.

A pedonalização de uma artéria, dotando-a de mobiliário urbano e outras “valências”, tornando o espaço mais aprazível e atrativo, também do ponto de vista funcional, é exemplo de uma intervenção que honra o peão, assim como o são a criação de zonas para passeio pedestre, ciclovias, esplanadas, etc….

Em muitos casos honrar o peão é reconhecer a sua existência, importância e principais necessidades, conferindo-lhe condições para usufruir da cidade, do seu centro, em segurança e com qualidade. O peão dá vida ao centro, pelo que honrar o peão é também honrar o centro da cidade.


“Estacionar é poder”

Um dos principais problemas que é insistentemente apontado ao comércio e ao centro da cidade, relaciona-se com o estacionamento, o seu défice ou suas condições deficitárias, sendo muitas vezes sugerido como uma das principais razões para o seu declínio.

A disponibilidade (ou não) de estacionamento pode determinar, incentiva, condiciona ou limita o comportamento do consumidor e/ou a decisão de compra, pelo que é reconhecido que a maior facilidade ao nível do estacionamento contribui de forma decisiva para “melhorar” outros fatores críticos de sucesso (atratividade, acessibilidade, comodidade, …) de uma área central e do seu comércio. Entre outros fatores, que ajudam a construir a envolvência e o ambiente requerido pelo comércio para atrair clientes, as facilidades ao nível do estacionamento conferem, de fato, maior poder ao centro da cidade.

“Negociar e melhorar pró-ativamente”

O comércio é protagonizado por uma diversidade de atores, todos eles, independentemente da sua maior ou menor dimensão, integrados ou não em grupos/redes de lojas, pertencentes ou não a cadeias de franchising, empresários, … negociadores. Apesar das resistências, das dificuldades do associativismo e das ideias pré-concebidas que se generalizaram em relação ao perfil do comerciante, todos, quase sem exceção, têm a noção de que o seu negócio continuará válido enquanto o objetivo perseguir a melhoria contínua do negócio (tanto da própria loja como do conjunto de lojas do centro da cidade).

Conhecedores do seu negócio, do negócio de quem os rodeia, conhecem quem compra, sabem quem são os principais atores e conhecem, não só o “jogo de forças”, mas também o(s) cenário(s) onde se esgrimem argumentos e se tomam decisões. A capacidade de leitura das tendências, a interpretação dos sinais e a pré-disposição para o conhecimento e inovação são fundamentais para sustentar a capacidade de melhorar continuamente com base na ação e não tanto na reacção que, aliás, poderá já não ser suficiente.


“Ser limpo, seguro e amigável”

É consensual que a higiene e limpeza dos espaços públicos, seja interior (estabelecimento comercial) ou exterior (envolvente comercial), o sentimento de segurança, por parte de comerciantes e de “clientes”, como a ideia de poder desfrutar de um ambiente amigável, seja ao nível da relação estabelecida entre os intervenientes, essencialmente, protagonistas da oferta e procura, seja da própria responsabilidade social, cultural e ambiental incutidas, são fatores críticos de sucesso cruciais.

Conseguir otimizar a habitabilidade, a competitividade, a atratividade e a visibilidade, será o cenário ideal, mas parece evidente que a notoriedade e qualidade que se reconheça ao centro de cidade por atingir tal desiderato, deriva também, em larga medida, da sua performance mais imediata ao nível da limpeza, segurança e ambiente.


“Prolongar o dia pela noite”

A questão dos horários de abertura e funcionamento dos estabelecimentos comerciais, em geral, compete de forma acérrima com a questão do estacionamento. Digamos que a diferença estará nos atores envolvidos e aos quais se atribuem as respetivas responsabilidades (atribuições/competências).

A ideia de que a oferta terá de ser o que a procura deseja é extensível ao problema dos horários, daí que seja evidente que a oferta terá de praticar os horários que a procura exige. Poderá nem estar em causa abrir mais horas por dia, mas sim adaptar e ajustar o período de abertura/funcionamento aos períodos de maior procura por parte dos clientes.

A ideia reside em fazer, de uma forma progressiva, com que a dinâmica do dia se prolongue pela noite, incutindo novos hábitos aos clientes/consumidores, mas também, e principalmente, numa fase inicial, aos próprios comerciantes.


“Gerir para a mudança” ou “Projetar Acontecer”

A vertiginosa sucessão de ocorrências ao nível do sector, impõe que a gestão se dote de um conjunto de competências e ferramentas capazes de enfrentar os novos desafios, pelo que a capacidade de adaptação contínua e permanente serão caraterísticas fundamentais para enfrentar a(s) mudança(s).

A ideia, mais ou menos recente, de implementar novas formas/modelos de gestão para o centro de cidade, tendo como um dos eixos fundamentais a participação ativa do comércio, trabalhando com base em verdadeiras parcerias, tem revelado que mais importante do que exigir a mudança, é saber lidar com todos os aspetos que a mesma envolve, e depois saber … geri-la.

Saber distinguir entre “Gerir a Mudança” e “Gerir para a Mudança”, já se constituirá como um bom indício do conhecimento das narrativas descritas, pelo que o passo seguinte poderá ser a destrinça entre aquilo que temos e aquilo que gostaríamos de ter, entre o “Esperar Acontecer” e o “Pensar Acontecer”, quando muito, e na sua forma desejável, idealizar o ”Projectar Acontecer”.


“Fazer Acontecer”

O comércio tem sofrido, nas últimas décadas, profundos impactos, na maioria nefastos, resultantes deste vazio que no fundo mais não será do que agir sobre a evidente necessidade de planear ação, concretizar soluções, concertar esforços, gerir recursos, implementar ações, ou seja, “Fazer Acontecer”.

Porque não só de enormes problemas e grandes soluções vive o comércio, por vezes este “Fazer Acontecer” pode ser “apenas” trazer o comércio (e o centro da cidade) para a “ordem do dia”, por via de um qualquer evento, animação, promoção ou divulgação, de caráter, mais ou menos, excecional, capaz de atrair e mobilizar atenções para o “tema”.

Fazer acontecer, pode até ser, num plano minimalista, relembrar a sua existência, quando muito o seu papel e importância como, no outro extremo, tornar a acção tão exemplar que consiga “impor” a sua posterior repetição e/ou disseminação, tais os impactos gerados.

Importa, ainda assim, conseguir distinguir entre o “Fazer Acontecer” e o “Fazer… Acontecendo”.

 

O autor escreve, por opção, ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 

TAGS: João Barreta , comércio no centro , regeneração urbana
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