Opinião de Luís Baptista Fernandes: «A cidade é tão bonita/ Quando vamos de visita»

25.06.2014

Num destes dias de passeio ocasional pela Marginal e embalado pela voz de Rui Veloso, “…Quando acaba o casario/Onde não chega o bugio…” deparei-me não com a Boca do Inferno como incita a melodia [Disco “Rio Grande”, 1996] mas com um cartaz autárquico de grandes dimensões que proclama orgulhoso e em letras generosas: “… um Concelho Mais Sustentável”.

 

A ilustrar o marketing das palavras um gráfico participa com rigor contabilístico, não a descida das taxas do IMI ou o aumento das áreas verdes, não a atração de empresas ou a redução das emissões de carbono, mas a redução drástica, num período de quinze anos, do número de fogos licenciados pelo município autor deste expediente comunicacional: 3669 em 1999 e uns meros 63 em 2013.

 

O referido painel, estrategicamente colocado e de visibilidade prime, possui como enquadramento de fundo a zona conhecida como Quinta dos Ingleses, recentemente objeto de um Plano de Pormenor que gerou significativa contestação pública quanto ao seu modelo de ocupação e, justamente, quanto à previsão do número de fogos.

 

A iniciativa quase exibicionista de um objetivo programático desta grandeza, acentua certamente o mal-estar das populações que terão de forma mais ou menos participativa questionado o citado Plano, entretanto aprovado.

 

O curioso paradoxo entre a imagem comunicativa da inflexibilidade da tendência redutora do número de fogos, desafiante nos seus propósitos mas consumida pelos atos administrativos, atribui ao local um significado delirante.

 

Perguntar-se-á então: o que está mal nesta fotografia? O cartaz? As palavras? O gráfico ou os atos praticados?

 

Eu diria que está quase tudo mal. Que necessidade terá uma autarquia em ter que explicar desta forma o que não se conseguiu com o diálogo ou com os manifestos eleitorais?

 

Ou, pior ainda, será que a informação transmitida pretende comunicar que se reduziu tanto o número de fogos licenciados até 2013 e que se possui, por essa via, uma reserva estratégica para promover os agora previstos no Plano de Pormenor?

 

Não parece ser o caso mas, alguns políticos, quando assumem responsabilidades governativas, denotam uma certa dificuldade em gerir as heranças que recebem de mandatos anteriores.

 

De qualquer modo uma e outra das opções são paradoxais nos seus termos e desalinham qualquer sentido de compreensão que à primeira vista se queira retirar da leitura deste painel informativo.

 

Esta situação, que podendo ser legítima para quem não se conforma com o legado que recebeu, traduz no entanto nos conteúdos utilizados para exprimir os incómodos, um erro de forma:


A sustentabilidade em ambiente urbano não se pode medir apenas pelo número de fogos licenciados.

 

Nunca a palavra sustentável foi tão vulgarizada. De tal modo se gastou o conceito que lhe está associado que quase se inverteu o sentido.


“Que tem condições de se manter ou conservar” (ex: desenvolvimento sustentável) [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 2008-2013], esta é uma explicação simples das muitas que existem em dicionários portugueses.

 

Como se perceberá a noção de desenvolvimento associada a princípios como “manter” e “conservar”, em urbanismo e planeamento, implica a capacidade de gerir uma quantidade significativa de indicadores que não se esgotam no número de fogos.

 

Talvez aquele número seja mais de fácil de obter mas seria interessante entender no período considerado, por exemplo, qual foi o comportamento do tecido empresarial, qual o valor da derrama, desenvolvimento económico, o estado da água, saneamento, investimento na cultura, número de desempregados, criminalidade, dinâmica social, desporto, formação e educação, inovação, mobilidade e transportes, natureza e biodiversidade, população, resíduos, saúde…

 

É através da conjugação destas temáticas e a estratégia para as melhorar, com o suporte dos modelos territoriais, que deve conduzir as políticas de desenvolvimento sustentável nos Países, nas cidades, regiões ou simplesmente municípios.

 

Mas talvez me esteja a precipitar e o painel motivador destas reflexões seja o primeiro de uma longa série sustentável…


“…Arrepia-me esta aragem /Fui onde Deus pôs a mão/Volto à minha condição… “

 

Luís Baptista Fernandes é director de Planeamento da Câmara Municipal de Oeiras. O autor escreve, por opção, ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

TAGS: Luís Baptista Fernandes , opinião , desenvolvimento sustentável
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