Opinião de Álvaro Domingues: Ilusão de óptica

23.03.2016

Conhecer para prever e para agir sobre os acontecimentos seria a utopia final da ciência e da tecnologia ao serviço do planeamento. No espírito do tecnocrata puro, a racionalidade tecno-científica bastar-se-ia a si própria para legitimar a acção, dispensando o escrutínio político qualquer que ele fosse. O tecnocrata esquece com facilidade que a racionalidade técnica é apenas uma racionalidade entre muitas e que quanto ao poder de visão do conhecimento científico, sabemos o bastante de ficção e realidade científica e da outra para duvidarmos de qualquer futurologia assim enunciada. 

 

Em tese, o planeamento corresponderia a uma série de práticas para garantir um determinado sentido no caminho a que chamamos progresso. Num contexto científico puro, o planeamento seria como a física mecânica da balística tão previsível como a lei da gravidade ou do atrito. Por isso, um regime totalitário seria o mais adequado para operacionalizar um tal desígnio, anulando todos os atritos e até, mesmo tendo o planeamento falhado, impondo as condições para se reconhecer que as coisas correram bem e produziram os resultados esperados.

 

A questão é que do ponto de vista tecno-científico o planeamento está longe de ter um suporte minimamente objectivo e consensual por entre o conjunto de saberes e instituições que a ele se dedicam produzindo teoria ou prática segundo piedosos e bem intencionados objectivos que fazem do planeamento uma crença organizadora do melhor dos mundos.

 

Conhecendo a estultícia dos humanos, é melhor não confiar demasiado neste cenário até porque está por demais provado que a espécie dos humanos que se diz cientista, sábio e outros adjectivos equiparados à santidade, também padece dos mesmos desarranjos e por vezes até em maior dose porque são cabeças muito organizadas e bem treinadas.

 

Do ponto de vista político a questão não é menos complexa. A pequena contrariedade é que o Estado democrático, garante da gestão dos bens e legitimador dos interesses públicos (e do planeamento, claro), foi capturado pelo sistema capitalista liberal deixando de ter as possibilidades que tinha no modelo social-democrata europeu. Ficou assim refém do mecanismo do dinheiro que faz dinheiro e também não se livrou da sanha tecnocrática e da sua bulimia do comer e esgomitar regulamentos para tudo.

 

O totalitarismo do preço, do mercado, da concorrência, do lucro é aquele que mais aparece como motor de transformação de tudo e por isso também do território. Quando a importância das coisas, o seu valor, se reduz à argumentação acerca de custos, preços ou lucros, cabe perguntar com bastante insistência para que serve ou a quem serve o planeamento e as transformações que preconiza.

 

Como se isto não bastasse vem depois a artilharia pesada da tecnocracia em modo ambiental e sustentável com as suas prioridades fundamentadas por estranhos raciocínios vindos não se sabe de onde a pretender provar que a diminuição do CO2 é mais importante do que a diminuição da pobreza ou que o inimigo dos humanos são os automóveis e os camiões e não os bandidos ou os exploradores. Mistérios.

 

Álvaro Domingues é licenciado em geografia, doutorado em Geografia Humana e professor e investigador na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

TAGS: Opinião , Álvaro Domingues , ordenamento do território
Vai gostar de ver
VOLTAR